Debora Diniz e Tatiana Lionço* - O Estado de S.Paulo
POLÊMICA - De protetora, família passou a homicida potencial da jovem
- Eluana Englaro sofreu um acidente de carro aos 21 anos e viveu 17 em coma sob cuidados médicos permanentes para se manter viva. Durante 12 anos, seu pai lutou na Justiça italiana em busca de autorização para deixá-la morrer. Segundo ele, essa era a vontade expressa de Eluana antes de sofrer o acidente. As últimas semanas foram de intensa controvérsia na sociedade italiana, em especial com a Igreja Católica, cuja posição era de radical oposição a deixá-la morrer. Um dos principais legados da história de Eluana foi ter acendido o debate em países católicos sobre os limites da medicalização e o direito de morrer.É um equívoco descrever a morte de Eluana como eutanásia. Eutanásia é um ato médico que provoca a morte de uma pessoa pelo uso de medicamentos, sendo a injeção de potássio o recurso mais comum. A pessoa não está agonizante ou em estado vegetativo, mas em estágios avançados de uma doença. Em geral, os casos de eutanásia ocorrem após a certeza de um diagnóstico de doença letal e degenerativa, mas em um momento em que a pessoa se encontra lúcida para a tomada de decisões. A eutanásia é proibida em quase todos os países, sendo a Holanda e a Bélgica raras exceções. Muitos casos de eutanásia na Holanda são de idosos que apresentaram os sintomas intermediários da doença de Alzheimer: são pessoas que vivem sob a certeza do prognóstico da demência total, mas ainda estão lúcidas para a tomada de decisão.Eluana não morreu por eutanásia médica. Simplesmente foi retirado de sua rotina de cuidados aquilo que a mantinha em sobrevida. Há quem defina esse processo como "eutanásia passiva". Na América Latina, a decisão da corte colombiana autorizando a eutanásia passiva em 1998 foi um marco no debate internacional. O adjetivo "passivo" indicaria que não se provoca diretamente a morte, apenas se retiram medicamentos, alimentos ou hidratação. Há uma expectativa moral de que a morte simplesmente tenha seguido seu curso natural, afastando-se o excesso de tecnologia do corpo agonizante. A fronteira entre eutanásia passiva e ativa é tênue, mas a diferenciação oferece conforto aos teólogos, médicos e enfermeiros envolvidos na tomada de decisão sobre a morte. É nessa redescrição moral que se entende a morte de Eluana como natural - foi dado a ela o direito de morrer.O avanço da tecnologia médica tornou a morte um fato indeterminado na vida de uma pessoa. É possível estender a sobrevida por longos períodos, e Eluana é um exemplo disso. Quase metade de sua existência foi vivida sob a vigilância de aparelhos. Se, por um lado, esse excesso de medicalização acende o tema do direito de morrer, por outro, também provoca o debate sobre o direito das famílias ao luto. O pai de Eluana representava esse segundo lado da questão. A família de Eluana foi forçada a viver uma melancolia prolongada, uma espera permanente e indefinida pela morte efetiva da filha. A morte foi suspensa pela tecnologia médica, mas não foi oferecida a alegria da recuperação. Por isso, associado ao direito de morrer de Eluana, estava o direito ao luto da família.
- Eluana Englaro sofreu um acidente de carro aos 21 anos e viveu 17 em coma sob cuidados médicos permanentes para se manter viva. Durante 12 anos, seu pai lutou na Justiça italiana em busca de autorização para deixá-la morrer. Segundo ele, essa era a vontade expressa de Eluana antes de sofrer o acidente. As últimas semanas foram de intensa controvérsia na sociedade italiana, em especial com a Igreja Católica, cuja posição era de radical oposição a deixá-la morrer. Um dos principais legados da história de Eluana foi ter acendido o debate em países católicos sobre os limites da medicalização e o direito de morrer.É um equívoco descrever a morte de Eluana como eutanásia. Eutanásia é um ato médico que provoca a morte de uma pessoa pelo uso de medicamentos, sendo a injeção de potássio o recurso mais comum. A pessoa não está agonizante ou em estado vegetativo, mas em estágios avançados de uma doença. Em geral, os casos de eutanásia ocorrem após a certeza de um diagnóstico de doença letal e degenerativa, mas em um momento em que a pessoa se encontra lúcida para a tomada de decisões. A eutanásia é proibida em quase todos os países, sendo a Holanda e a Bélgica raras exceções. Muitos casos de eutanásia na Holanda são de idosos que apresentaram os sintomas intermediários da doença de Alzheimer: são pessoas que vivem sob a certeza do prognóstico da demência total, mas ainda estão lúcidas para a tomada de decisão.Eluana não morreu por eutanásia médica. Simplesmente foi retirado de sua rotina de cuidados aquilo que a mantinha em sobrevida. Há quem defina esse processo como "eutanásia passiva". Na América Latina, a decisão da corte colombiana autorizando a eutanásia passiva em 1998 foi um marco no debate internacional. O adjetivo "passivo" indicaria que não se provoca diretamente a morte, apenas se retiram medicamentos, alimentos ou hidratação. Há uma expectativa moral de que a morte simplesmente tenha seguido seu curso natural, afastando-se o excesso de tecnologia do corpo agonizante. A fronteira entre eutanásia passiva e ativa é tênue, mas a diferenciação oferece conforto aos teólogos, médicos e enfermeiros envolvidos na tomada de decisão sobre a morte. É nessa redescrição moral que se entende a morte de Eluana como natural - foi dado a ela o direito de morrer.O avanço da tecnologia médica tornou a morte um fato indeterminado na vida de uma pessoa. É possível estender a sobrevida por longos períodos, e Eluana é um exemplo disso. Quase metade de sua existência foi vivida sob a vigilância de aparelhos. Se, por um lado, esse excesso de medicalização acende o tema do direito de morrer, por outro, também provoca o debate sobre o direito das famílias ao luto. O pai de Eluana representava esse segundo lado da questão. A família de Eluana foi forçada a viver uma melancolia prolongada, uma espera permanente e indefinida pela morte efetiva da filha. A morte foi suspensa pela tecnologia médica, mas não foi oferecida a alegria da recuperação. Por isso, associado ao direito de morrer de Eluana, estava o direito ao luto da família.
*Debora Diniz, antropóloga, e Tatiana Lionço, psicóloga, são pesquisadoras da Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero