segunda-feira, 17 de maio de 2010

Como lidar com a morte do seu animal de estimação

Edlberto Rodrigues, Denise Fantoni, Teresinha Martins e Daniella Godoi são veterinários do primeiro ambulatório de cuidados paliativos para animais domésticos do Brasil. Eles amenizam o sofrimento de cães e gatos com doenças sem chance de cura. Mais do que isso: ajudam os donos a oferecer qualidade de vida e conforto para seus bichos de estimação quando mais precisam. Em um dos consultórios do Hospital Veterinário da Universidade de São Paulo (USP), a palavra sacrifício é a última a ser ouvida. Lá, a perspectiva da morte é trabalhada, mas deixada em segundo plano. O importante é oferecer um final de vida com menos sofrimento possível para animais portadores de doenças crônico-degenerativas, como o câncer, e dor extrema. Raríssima em animais, a prática dos cuidados paliativos representa uma mudança na visão da medicina veterinária que costumava determinar a eutanásia como o destino natural de um bicho velho ou doente.

Estima-se que existam 33 milhões de cães e 17 milhões de gatos no Brasil. Em grande parte dos lares do país, o animal é visto como alguém da família. O problema é que a expectativa de vida dos bichos, mesmo sendo maior hoje em dia, é curta em relação ao tempo que o dono viverá. Mais cedo ou mais tarde, ele terá que lidar com a perda do animal querido. Pensando como os médicos veterinários poderiam ajudar nesse momento, a professora Denise Fantoni decidiu acompanhar em 2005 a rotina de pacientes terminais do Hospital das Clínicas de São Paulo. A experiência possibilitou ao grupo de estudos chefiado por ela na USP conhecer os caminhos para a melhoria da qualidade de vida de pacientes com esse perfil. Denise percebeu ali que poderia aplicar o conceito de cuidados paliativos no mundo animal.
No ambulatório do Hospital Veterinário da USP, todos os animais têm algum tipo de doença que os levará à morte. O tratamento realizado no local consiste, basicamente, em um trabalho de medicação e orientação. Os veterinários receitam remédios para que o bicho não sofra com as dores da doença, acompanham a evolução do quadro clínico e ensinam aos proprietários medidas simples para melhorar a rotina dos animais, como fazer a vontade deles sempre que possível. “Em geral, um cachorro deve ser alimentado com ração. Mas nesse momento da vida isso deixa de fazer sentido”, diz Denise Fantoni. “Se ele gosta mais de comer carne ou macarrão, orientamos o dono a dar ao bicho o que ele quer.” Outro tipo de medida ensinada no ambulatório refere-se ao lugar em que o animal passará a maior parte do tempo. “É importante nessa escolha levar em conta o aumento da proximidade do cão com as pessoas da casa”, afirma Teresinha Martins, colaboradora do programa e veterinária. “Não é porque ele está com uma doença que deve ficar no quintal sozinho. Trazê-lo para dentro e dar muito carinho são essenciais.”

A equipe ainda recomenda aos proprietários rigor com o horário das medicações. Caso contrário, as dores – e o sofrimento do bicho – podem piorar. Os pacientes são acompanhados de perto pelos veterinários do ambulatório por meio de consultas semanais, quinzenais ou mensais. Dependendo do caso, eles fornecem seus telefones para que possam ser informados pelos donos sobre a evolução da doença.

A base dos cuidados paliativos no Hospital Veterinário da USP está em um questionário elaborado pela professora Denise e por sua ex-doutoranda, a veterinária Karina Yazbek. Ele é composto por doze perguntas feitas ao proprietário do animal a cada consulta (ver quadro abaixo). As questões avaliam a disposição do bicho para comer, brincar, andar e dormir, entre outros aspectos. O seu resultado pode determinar a alteração ou não do tratamento. “É através das respostas que a equipe avalia se as medicações estão surtindo efeito para conter a dor”, diz Daniella Godoi, veterinária e outra colaboradora da equipe. “Se notarmos que não existe mais qualidade de vida para o bicho, a eutanásia se torna a única alternativa para acabar com o seu sofrimento.”

É quando a morte, até então em segundo plano no ambulatório, adquire forma. Vista por alguns como um fracasso, ela é enxergada pelos veterinários como a chave dos cuidados paliativos: “A morte não é um fracasso para o médico. Fracasso é não tratar o bicho com dignidade e respeito quando ele está à beira da morte. Nosso trabalho não é acrescentar dias de vida ao bicho, mas dar qualidade de vida aos poucos dias que ele tem”, afirma Teresinha.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Doente partilhou a morte na internet

Vencedora de um concurso de misses, Eva Markvoort sonhava ser atriz. Morreu de fibrose cística em Março e partilhou num blogue os últimos momentos de vida e dois anos de sofrimento no hospital. Veja o vídeo de despedida.
"Olá, mundo", disse Eva para a câmara, numa cama de hospital e rodeada pela família. "Blog, amigos, todos vocês: tenho notícias para vos dar. É difícil de ouvir, mas consigo dizê-lo com um sorriso. A minha vida está a chegar ao fim".

Eva Markvoort sofria de fibrose cística, uma doença hereditária incurável cujos principais sintomas são a formação de cistos no pâncreas e a acumulação de muco nos pulmões. Sempre com esperança de receber um segundo transplante duplo de pulmões, ainda que essa fosse uma hipótese improvável, a jovem documentou a evolução da doença num blog.
O "65_RedRoses" ("65 Rosas Vermelhas"), o diário digital de Eva, foi iniciado em 2006, para combater o isolamento a que os hospitais obrigam os doentes com fibrose cística devido ao risco de infecção. Eva, que ficava sozinha depois da hora de visita, começou a procurar outros pacientes através da Internet.
O nome do blog teve origem na dificuldade que Eva tinha, quando era pequena, de pronunciar o nome da doença ("cystic fibrosis", em inglês), dizendo, como é comum nas crianças com a doença, "sixty-five roses". Markvoort adicionou, posteriormente, a sua cor favorita, o vermelho, ao nome do blog.
Eva Markvoort foi, ainda, tema de um documentário canadiano com o mesmo nome do blog, que mostrava a luta diária com a fibrose cística: as tosses violentas, os vômitos, os tratamentos difíceis, a espera pelo transplante duplo de pulmões. O documentário acabou com a confirmação do transplante, um sinal de que a jovem estaria prestes a começar a sua recuperação.
No entanto, pouco menos de dois anos após a operação, o corpo começou a rejeitar os pulmões e Eva voltou a ressentir-se. Muitos dos seus posts e vídeos no blog estavam intercalados com manifestações súbitas da doença.
Apesar da condição física ter piorado, Eva nunca desistia da vida ou se isolava. Numa das entradas de vídeo do "65_RedRoses", diz: "Sinto-me uma felizarda, porque amei mais do que possam pensar ou imaginar. Por isso festejo isso: festejo a minha vida".

O testemunho de Eva Markvoort gerou uma onda de solidariedade um pouco por todo o mundo, desde os EUA à Polônia. Através do blog, a jovem lutou para que a população em geral se conscientizasse para a doença de que padecia e da necessidade da doação de órgãos.
"Senti-me muito egoísta quando li o teu blog, porque fumei durante anos, tomando os meus pulmões como garantidos. Ajudaste-me a deixar o pior hábito que alguma vez time", escreveu, uma vez, um visitante do "65_RedRoses", citado pela CNN.
Partilhar a doença
De acordo com a CNN, a partilha pública dos últimos dias de vida é uma forma de quebrar o estigma da morte para o resto das pessoas, dizem os médicos que tratam de pacientes terminais.
"Na última década assistimos a mudança de uma cultura bastante fechada à ideia da morte para uma que partilha as últimas experiências", explicou Chris Feudtner, diretor de pesquisa dos Serviços de Cuidados Paliativos do Hospital Pediátrico de Filadélfia, nos EUA. "As pessoas pensam: "Ainda estou viva. Não quero estar fechada, quero uma ligação. Quero partilhar a minha aprendizagem ao longo desta viagem".
O blog de Eva Markvoort não foi o primeiro a divulgar publicamente o sofrimento de pacientes de doenças graves. Miles Levin, um jovem de 18 anos falecido em 2007 com um tipo de cancro raro, e Michelle Lyn Mayer, de 39 anos, que morreu em 2008 com escleroderma, também partilharam os seus pensamentos sobre vida e morte em diários digitais.
Num caso um pouco mais divulgado mediaticamente, também Jade Goody, uma concorrente do Big Brother inglês, decidiu divulgar publicamente o cancro do útero de que sofria e a progressão da doença, ainda que com objetivo de angariar dinheiro que garantisse o futuro dos dois filhos depois de morrer.

JORNAL DE NOTÍCIAS
11/05/2010