segunda-feira, 25 de maio de 2009

A CRIANÇA E A MORTE

Ariana Trindade de O. Magalhães
ariana.agilita@gmail.com
Pedagoga (UFRN). Pós-graduada em Psicopedagogia (UCB) e Sexologia (UCAM). Mestre em Educação (UnB)

De tudo, a minha vida estarei atenta
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dela se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-la em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer da vida que tive:
Que não é imortal, posto que é chama
Mas que seja infinita, enquanto dure.



Soneto da Fidelidade
Vinícius de Moraes
Adaptação: Ariana.


Este texto, que foi simplificado, faz parte de um artigo destinado ao curso de mestrado em Educação – UnB, tendo como objetivo refletir as dificuldades que adultos possuem em abordar o tema morte com crianças, a partir de uma abordagem psicanalítica. O trabalho já foi ampliado, com outras abordagens, transformando-se em dissertação de mestrado.
A autora, que há anos vem trabalhando com crianças em escolas, sentiu a necessidade de conhecer e aprofundar o tema após haver percebido que a família, a escola e a sociedade não educam as crianças para perdas, frustrações e, menos ainda, a morte.
Para nortear os primeiros passos desse estudo, que foi ampliado mais adiante, foi realizada uma pesquisa com um reduzido número de professores de educação infantil da rede particular de Brasília, tendo sido encontrados fortes indícios que os professores têm, em sua maioria, dificuldade em trabalhar o tema morte com crianças e pais.
Neste trabalho, a hipótese principal enfoca a importância da relação vincular estabelecida pela criança nas primeiras experiências com a morte dentro do seio familiar para o trato do tema em contextos mais amplos.
PALAVRAS-CHAVE: Morte, perdas, luto.

INTRODUÇÃO
Através da coleta de dados da pesquisa feita com os professores, ficaram constatados, além da dificuldade de falar sobre morte, as seguintes questões: a palavra que melhor representa a situação morte é “perda”, e a explicação mais comum dada ao fato da morte está diretamente ligada a crenças religiosas. A partir desses três aspectos, guiaremos nossa exposição.
Quem quer conversar com uma criança sobre morte? A resposta provavelmente será ninguém. Adultos e especialmente pais, querem proteger as crianças de experiências dolorosas, e a morte de um ente querido é muito triste para todos.
A morte é uma situação que não podemos modificar na nossa vida, um dia ela acontecerá. Não falar sobre o assunto, tentando proteger a criança, poderá dificultar o seu entendimento sobre situações da vida.
Isso não significa dizer que se deve falar sobre morte o tempo todo, mas aproveitar os momentos em que ela ocorra, para se falar com bom senso, sem exageros e sem proteção. É importante perceber que “ as perdas que você acumula ao longo da vida podem tanto potencializar o seu medo da morte quanto ensiná-lo a conviver melhor com a finitude” (Maria Fernanda Vomero, 2003) .
Num levantamento feito nos USA, toda criança irá vivenciar a perda de algo ou alguém, durante a infância. Alguns estudiosos acreditam que a pessoa quando atinge os 18 anos terá testemunhado cerca de 18000 mortes, seja através de desenhos, filmes, livros, programação de TV, morte de pessoas conhecidas, membros da família e animais de estimação. Quando a criança presencia a morte de um animal querido, ela está vivenciando a realidade da perda. Tentar protegê-la disso é inútil ( Kroen, 1996, p.7).
Crianças devem ter a chance de aprender sobre a morte, através de observações e eventos do dia-a-dia. Pais devem oportunizar momentos, ensinando conceitos básicos sobre morte e tristeza. Achando um animal morto ou uma flor, ou mesmo presenciando a morte de um animal de estimação, são momentos perfeitos para compartilharem os “insights” da vida e da morte, incentivando a criança a falar o que ela pensa e sente a respeito do assunto.
De acordo com Bowlby (1985), “Só quando lhe damos informações exatas, simpatia e apoio é que podemos esperar que uma criança reaja à perda com algum realismo. Isso suscita a questão da capacidade que têm as crianças de diferentes idades de serem realistas em relação à morte” (p.312).

ASPECTOS TEÓRICOS
Discutir sobre morte não é novidade, muitos filósofos, historiadores, sociólogos, biólogos, antropólogos, psicólogos e outros discutiram sobre o assunto no decorrer da História, pois a morte faz parte da vida, é uma questão essencialmente humana, e o conceito e atitude que se tem dela tende a se modificar de acordo com o contexto histórico-sócio-cultural. Diante das várias teorias que possibilitam a reflexão sobre morte, daremos ênfase ao enfoque psicanalítico.
Apesar de Freud não mencionar o luto na criança, ele ressalta que as mortes sofridas na infância, em particular as de irmãos pequenos, têm “ uma importância determinante para as futuras neuroses” ( 1900). É do trabalho de luto descrito por ele, que iremos tecer algumas considerações da importância do trabalho de luto com a criança, pois o luto é uma das vias mais importantes de aproximação da relação da criança com a morte.
Freud (1914) nos fala que a morte de um ente querido nos revolta pois, este ser leva consigo uma parte do nosso próprio eu amado, como também nos agrada pois, em cada uma destas pessoas amada, há também algo de estranho.
Esta é a ambivalência de sentimentos, de amor e ódio, que estão presentes nas relações humanas. “Nestes relacionamentos, o desejo de ferir o outro é frequente e a morte dessa pessoa pode ser conscientemente desejada. Por isso, muitas vezes, quando o outro morre, a pessoa que assim o desejou pode ficar com um sentimento de culpa difícil de suportar e, para amenizar esta culpa, permanece um luto intenso e prolongado. Para a psicanálise, a intensidade da dor frente a uma perda, se configura narcisicamente como a morte de parte de si mesmo” (Giorgi, 2006,p.9).
Imaginem esse sentimento de culpa na criança, unido a uma falta e/ou inadequada informação sobre morte, o quão confusa ela ficará. Sentimentos ambíguos são comuns nessa fase, portanto é preciso muita paciência da parte do adulto. A respeito disso, Bowlby cita que “ A perda de uma pessoa amada dá origem não só ao desejo intenso de reunião, mas também à raiva por sua partida e em geral, mais tarde, a um certo grau de desapego. Dá origem não só ao pedido de ajuda, mas às vezes também a uma rejeição daqueles que atendem a esse pedido. Não surpreende que constitua uma experiência dolorosa e difícil de entender” (1985, p.31).
No entanto, quando a criança aprende sobre morte e perdas de um modo real, sensível, ela irá desenvolver bons modos de enfrentar crises reais que terá mais adiante.
Conversar com crianças sobre morte e perdas é um desafio. Ninguém sabe o que dizer e todos desejam que a criança não sofra. A sociedade tenta amenizar, tentando convencer que crianças são resilientes, desse modo deixam de reconhecer que as crianças tanto quanto os adultos necessitam de apoio e esclarecimentos para suportarem a perda.
Estudos tem mostrado que crianças pensam, querem saber e discutem morte, diferentemente em todos as fases do seu desenvolvimento. Muitos adultos rejeitam a curiosidade da criança sobre morte, acreditando que ela é “muito nova” para compreender. De fato, morte tem um impacto significante em todas as idades. Do bebê ao adolescente, as reações serão diversas, porém algo que é importante é que, desde cedo, o adulto crie com a criança a liberdade de compartilharem e demonstrarem suas emoções em todas as situações diárias, para que quando aconteça uma situação mais dolorosa, como é o caso da morte, esse “canal” de expressão de sentimentos já esteja efetivado. Robert e Erna Furman apresentam dados que mostram a capacidade que crianças, mesmo pequenas, conseguem perceber a morte como irreversível e como consequência de causas naturais, porém isso depende daquilo que lhe é dito pelo adulto (p.314).
Quando a criança recebe apoio e permissão para falar sobre morte, ela consegue firmar e ampliar o que aconteceu, como também guardar o “objeto” na memória. Em muitas famílias é proibido tocar no assunto,no entanto, a medida que falamos vamos nos transformando e ganhando força para retomar a vida. “Depois de uma perda, ou a gente fica amarga, ou mais sensível. Nosso objetivo é adoçar a vida sem esquecer nem hipervalorizar a pessoa que se foi” (Gláucia Rezende).
Mesmo que a morte seja um grande golpe para criança, ela pode acreditar na possibilidade de fazer novos laços afetivos com outras pessoas, desde que ela possua uma relação afetiva segura e estável com os adultos que lhe são significativos. Nesse sentido, Freud nos esclarece: “ Embora saibamos que depois de uma perda dessas o estado agudo de luto abrandará, sabemos também que continuaremos inconsoláveis e não encontraremos nunca um substituto. Não importa o que venha preencher a lacuna, e, mesmo, que esta seja totalmente preenchida, ainda assim alguma coisa permanecerá. E, na verdade, assim deve ser. É a única maneira de perpetuar aquele amor que não desejamos abandonar” (p.21).
Nesse caso, a probabilidade de que sejam criadas situações patológicas é miníma. De acordo com Freud, “embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos em que seja superado após certo lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele” (Freud- p.89).
Por isso, é preciso dar espaço e tempo para que a criança fale, demonstre suas emoções, as quais, aos poucos, vão se re-construindo, dando lugar as boas lembranças, herdadas como exemplo de vida. Evitar passar falsas mensagens do tipo: “seja forte, não chore”, ou “ não gosto mais de você se chorar” ou ainda “ seu pai não ia gostar de você, chorando” e outras, pois de acordo com Bowlby, esses tipos de ordens produzem um dano indizível, principalmente quando falados com desprezo. Ao invés da criança compartilhar sua dor, seu medo, ela assim tratada pode fechar-se em si mesma para suportar sozinha os seus sofrimentos.
De acordo com Rosane Queiroz, “Para superar o luto é importante não sublimar a dor. Faz bem a família se reunir para chorar, conversar sobre o assunto, olhar retratos. Os rituais também ajudam, porque a recuperação é centrada na aceitação” (1999).
O fato da morte não pode ser mudado. Não podemos trazer a pessoa que morreu de volta para a vida, mas podemos recordar os bons momentos, aceitando o fato e procurando viver com a saudade. Fazer com que a criança converse sobre a morte, exponha seu sentimento, compartilhe sua dor e saudade, ajuda-a superar e elaborar este momento tão penoso.
Ajude a criança a superar a morte de maneira positiva. Seja paciente se ela chorar, ficar com raiva, fazer perguntas e expressar insegurança e frustração, porém seja firme, pois ser paciente não significa permitir comportamentos inadequados. Mostre-a o quanto você a ama e se preocupa com ela, e que existem outras maneiras de expressar esses sentimentos de perda.
Outra forma que ajuda a superar a morte positivamente é a homenagem. Homenagear uma pessoa querida que morreu é uma forma de promover a aceitação e ajudar a enfrentar o medo, a dor e a solidão.
Criar e ler histórias, fazer poesias, músicas, qualquer atividade artística ajuda na elaboração da perda, seja para homenagear o morto ou como maneira da pessoa extravasar seus sentimentos, pois sabemos o quão é difícil, para algumas pessoas, expressarem-se através da palavra.
De acordo com Pitta, “…o espaço da dor é muito subjetivo, ele precisa de tempo, de acolhida, de proximidade, de uma escuta amorosa para aquela travessia”. Cada um reage a perda de uma forma muito individual, é preciso ter respeito a dor do outro. Shand (1920) nos fala sobre a complexidade da natureza do sofrimento, e como seus efeitos são diferentes e variados para cada indivíduo, sendo muito difícil, ou impossível que um autor conheça a fundo todas essas variáveis (p.36).
Os rituais de morte, considerados inconvenientes para muitas pessoas, são importantes para a elaboração e significação da morte. “ Para que a morte de um ente querido não assuma formas obsessivas no inconsciente é necessário ritualizar essa passagem”(Giorgi). Alguns antropólogos discutiram a importância dos ritos fúnebres na vida social de um povo e concluíram que “ Seu objeto ostensivo é a pessoa morta, mas ele beneficia não o morto, mas os vivos...são para os que ficam...que o ritual é realmente realizado” (Firth,1961,p.140).
No caso da criança, ela pode e deve participar dos rituais seguidos a morte, porém com explicação do que ela irá presenciar, ouvir e participar, deixando-a livre para decidir se irá ou não. “Criança pode ir a velório e receber respostas honestas sobre a morte, em vez de explicações fantasiosas, como a de que a pessoa viajou ou virou uma estrela. No dia-a-dia, é preciso tratar as perdas como parte da vida. Ensinar sobre a finitude ajuda a objetivar a existência, reduzindo a angústia existencial”( Rosane Queiroz, 1999). “Os rituais de morte servem para a compreensão ‘social’ do fenômeno: ajudam a digerir o impacto provocado pela perda do outro e funcionam como fator de agregação daquela sociedade “ (Guillermo Ruben, Unicamp).
Conforme as citações anteriores, os rituais proporcionam familiares e amigos a compartilharem a dor da perda, a tristeza. A solidariedade ajuda no processo de superação, pois ao mesmo tempo que necessitamos do outro, sabemos o quão somos importante para ele.
Outra forma saudável de aceitação da morte é dada pelas crenças religiosas. No entanto, é necessário que a família já compartilhe dessas idéias antes do acontecido. De acordo com Bowlby, a respeito da morte de um dos pais ele enfatiza “Só quando o genitor sobrevivente acredita sinceramente em idéias religiosas ou filosóficas sobre a morte, e sobre uma vida depois da morte é que se torna útil transmitir tais idéias aos filhos, em outras circunstâncias, a complexidade dessas idéias e a dificuldade de distinguir entre morte física e morte espiritual deixam a criança intrigada e confusa, podendo abrir entre ela e o genitor sobrevivente um abismo de desentendimento” (p.314).
Para Maria Júlia Kovács, coordenadora do LEM da USP, “pesquisas demonstram que pessoas com forte grau de envolvimento religioso, independente da crença, geralmente têm menos medo da morte”. Para o psicanalista Roosevelt Cassorla o indivíduo consegue encontar na religião a aceitação da finitude e encontrar certezas sobre o motivo da vida, da morte e do que acontece após a morte.
Na pequena amostra feita com as professoras de educação infantil, ficou evidente a influência que a religião possue para melhor suportar as indagações provocadas pela morte. Porém, deve-se ter o cuidado de compartilhar as informações com todos os adultos envolvidos, para que não hajam discrepâncias nas colocações para a criança.

CONCLUSÃO
Em algumas culturas existe uma resistência em falar abertamente sobre morte. Ninguém fala e nem discute de forma alguma sobre morte. Não gostam nem de usar a palavra morte. Utilizam-se de outras expressões para não ter que usar o termo morte. Com crianças, então, isso é totalmente proibido, diz-se “foi viajar”, “está com papai do céu”, “ virou uma estrela” e outros. Essa atitude reflete nossas supertições e nossos medos.
Morte é certamente uma palavra difícil para ser usada, mas não existe outra que expresse mais adequadamente e honestamente o acontecido. Morte é a consequência da vida. Se você vive, também um dia irá morrer, e ninguém é capaz de alterar essa equação.
Quando você conversar com criança sobre morte, lembre-se que crianças pensam em termos concretos. Portanto, o termo mais adequado é morreu, pois vai dar a precisão exata do que realmente aconteceu, evitando confundí-la.
Nagera (1970) após analisar uns relatórios, constatou que nas culturas estudadas quando um dos pais morre o sobrevivente provavelmente diz ao filho que o outro foi para o céu e ele conclui: “ Para os que são religiosos, esta informação está de acordo com a crença dos pais. Para muitos outros, porém, não é assim, de modo que desde o início há uma discrepância entre aquilo que é dito à criança e aquilo em que os pais acreditam. Uma menina de quatro anos que recebeu essa informação, ficou com raiva e chorou amargamente porque o pai não veio para sua festa de aniversário” (p.310).
Independente de religião, crenças e filosofias a respeito da vida e da morte, é importante que seja esclarecido que a pessoa morta não pode mais voltar, que não sabemos, exatamente, o que acontece com as pessoas quando se morre, que cada um acredita em algo , e você pode expor a sua crença, deixando-a livre para que ela possa, no futuro, escolher no que acreditar.
De acordo com Luce Des Aulniers: “O medo da morte è fundador da cultura”, e Maria Fernanda Vomero acrescenta que a partir do desejo que temos de perpetuidade é que se desenvolvem as instituições, as crenças, ciências, artes, técnicas e até mesmo as organizações políticas e econômicas, e isso é o que ela chama do lado vital da morte. Ou seja, o medo da morte nos pulsiona a viver, a constituir laços afetivos, construir coisas materiais, procriarmos e criarmos coisas que nos dê continuidade.
Anseio que esse texto venha ajudar aos adultos a compartilharem melhor o momento da morte com a criança, seja seu filho ou aluno. Nunca esquecer que a coisa mais importante que se pode fazer pela criança numa situação como a morte é ficar com ela, ser honesta e amá-la. É mostrar, através de atitudes, que a vida continua e que você estará por perto para oferecer-lhe segurança e amor.
Com relação a instituição educacional, o nosso desejo é que a escola não seja apenas um espaço de ‘transmissão’ de conhecimentos, mas um local onde as crianças tenham a oportunidade de se expressarem e elaborarem seus sentimentos. Local onde a criança possa expressar simbolicamente suas emoções, onde possa falar dos seus medos e inquietações. Local onde ela tenha a liberdade e o apoio para fazer os seus questionamentos sobre a vida, inclusive sobre a morte.