quinta-feira, 19 de março de 2009

Luto: a dor de uma perda

Como superar a aflição que parece não ter fim

Existem poucas coisas certas na vida e uma delas é a morte. Essa certeza fica quase invisível à sensação de eternidade - tanto para nós quanto para aqueles que amamos. Mas a vida não funciona da forma que desejamos: o momento chega, nos pega de surpresa e nos derruba. Em algumas vezes o tombo é de tão alto que devasta uma vida inteira, cheia de planos e acontecimentos marcantes, trazendo consigo sensações de dor nunca antes sentidas. Foi o que aconteceu com duas mulheres, felizes, dedicadas aos filhos e maridos, cheias de projetos para aqueles que amavam. De uma hora para outra, foram surpreendidas pela morte.

Alice Lanalice, autora do livro O Perfume de Eliana, escrito em homenagem à filha, era uma mulher comum, em uma cidade comum, entre histórias comuns. No meio de sua vida um acontecimento mudou radicalmente seus pensamentos e atitudes. Era uma segunda-feira, 31 de janeiro de 2000. Alice estava no trabalho quando uma ligação estranha a fez despertar a angústia. Eliana deveria estar em uma reunião de trabalho importante, e ainda não chegara. Como havia dormido na casa do namorado, a primeira reação da mãe foi entrar em contato com a jovem. Ela tentou algumas vezes, mas ninguém atendia as chamadas, até que um homem desconhecido atendeu e desligou.
Mergulhada em diversos sentimentos, a autora tentou, com sucesso, falar com o namorado da filha, que não sabia de nada, pois ela já teria saído de sua casa. Naquele momento, um pingo de esperança se instalava em um coração desesperado. Mas, com o passar dos minutos, a triste notícia chegou. O irmão do namorado da filha disse ao telefone: "Não vou mentir; Eliana morreu." Eliana, a caminho para o trabalho, aguardava para entrar na Anhanguera, uma das rodovias paulistas de mais movimento. Um ônibus que não conseguiu frear se chocou com seu carro, empurrando-o para o centro da pista. Um caminhão vinha em sua direção e a batida foi fatal. Ela morreu no caminho para o hospital, aos 25 anos.
Anos depois, outra mulher saberia o que Alice sentira naquele momento: a educadora Patrícia M. perdeu o marido em julho de 2007. Patrícia e Renato (nome fictício) viviam felizes um casamento de cinco anos. Buscavam superar juntos os problemas: ele era alcoólatra e bebia constantemente. Mesmo buscando saída no Alcoólicos Anônimos (AA) e no Al-Anon, Renato não conseguia largar a bebida e percebia a dor que causava à esposa e ao enteado. "Quando estava sóbrio, ele tinha plena consciência de que o vício o afetava socialmente, psicologicamente, financeiramente, maritalmente, fazendo, assim, a família sofrer demais", afirma Patrícia.
Renato decidiu procurar uma clínica que prometia tratar o alcoolismo com três vacinas. Durante o tratamento, não podia beber e deveria tomar remédios fortes para ansiedade, a fim de controlar os desejos pelo álcool. Infelizmente, nada conseguiu deter a necessidade da bebida. Renato bebeu, mesmo usando os medicamentos e, ao buscar um táxi para voltar para casa, caiu e bateu a cabeça. Foi levado para o hospital imediatamente, mas faleceu.
Sentimentos pós-perda
Segundo o psicólogo Francisco Carlos Gomes dos Santos, especialista em atendimento a enlutados, o perfil de quem perde uma pessoa mistura aspectos de depressão, ansiedade, culpa, raiva e hostilidade, além de falta de prazer, solidão, agitação, fadiga e choro. Também ocorre baixa autoestima, desamparo, saudade, a procura pelo falecido, lentidão de pensamento, perda de apetite, distúrbio do sono, perda de energia e suscetibilidade a doenças.
A autora Alice Lanalice sentiu instantaneamente um turbilhão de sentimentos após o falecimento da filha. "Misturava incredulidade, desespero, esperança de que havia algum erro de informação." A angústia foi tão grande que, na ocasião, ela foi encontrada pelo marido aos prantos, deitada no chão e rodeada de colegas de trabalho. "Chorei todos os dias durante um ano e emagreci muito", afirma.
Depois da perda do marido, Patrícia apresentou alguns dos sintomas descritos por Santos. Em muitos momentos, se deparou com uma forte angústia lhe apertando o peito. "Sinto um nó na garganta que chega a sufocar e preciso chorar para aliviar." Além do medo de perder outras pessoas que ama, ela varia entre aceitação e revolta e busca refúgio no trabalho.
Tanto Alice quanto Patrícia sentiram forte culpa com as mortes. "Quando perdemos uma pessoa querida a gente sempre acha que não fez o suficiente", explica Patrícia. A dor de não ver mais quem amavam fez com que essas mulheres modificassem as rotinas e deixassem de fazer muitas coisas a que estavam acostumadas. No primeiro capítulo de O Perfume de Eliana, Alice escreve: "Éramos quatro. Sempre quatro. Quatro tigelas de sopa, quatro canecas de leite, quatro pratos na mesa, quatro ovos de Páscoa, quatro pedaços de pizza... Agora, um buraco constante. Em tudo o que faço, sinto a falta do 'mais um'. Mesmo juntos, nunca mais seremos quatro!".
Patrícia deixou de frequentar os lugares a que ia com o marido e busca em suas imagens um alento para a dor. "Coloquei várias fotografias dele no meu escritório e costumo olhar sempre para elas. Ouço músicas que ele gostava, mando rezar missas todos os meses e durmo exatamente no lugar da cama em que ele dormia."

A renovação de uma vida
Encontrar um recomeço depois que se perde alguma pessoa importante não é fácil. É preciso que algumas perguntas que, geralmente, aparecem, sejam respondidas, como "por que isso aconteceu?" e "por que aconteceu comigo?".
Uma das saídas encontradas por Alice e Patrícia foi a terapia. Alice freqüentou durante três anos após o acidente. Patrícia busca esse auxílio há um ano. Segundo Santos, esse pode ser um tratamento útil para quem não superou a dor. "O paciente geralmente tem muitas dúvidas em relação à morte. Ele precisa entender como ela foi ou não foi, se foi injusta, se ocorreu cedo ou tarde; entender os sentidos filosóficos da fatalidade-morte", explica o psicólogo.
Além da ajuda externa, Alice percebeu que era importante criar algo para ajudar quem dividia com ela esse sentimento. Foi então que criou a Casulo – Associação Brasileira de Apoio ao Luto –, e escreveu o livro O perfume de Eliana, publicado em 2001. Com o lema "Da sua dor a gente entende", a associação organiza reuniões que discutem o problema e grupos de auto-ajuda. "O que a Casulo procura fazer é apoiar, incentivar e criar condições para que cada enlutado refaça o projeto de uma nova vida."
Alice não se considera uma enlutada e acredita que conseguiu sublimar a dor. Para o psicólogo, quando se ultrapassa a fase do luto, inicia-se uma reconstrução da vida. "A pessoa passa a encontrar sentido na nova vida. Consegue amar as pessoas presentes, passa a aceitar a realidade da perda, enfrenta as emoções do pesar, adapta-se à vida sem a pessoa, encontra maneiras adequadas para lembrar o falecido, reconstroi os sistemas filosóficos abalados pela perda, além de sua identidade."
Patrícia também buscou outras maneiras para superar a dor. Procurou nos livros e na religião espírita uma maneira de entender melhor o processo de morte e perda. Mesmo assim, acredita que ainda não superou. Sua angústia da incerteza sobre a possibilidade de ver o marido algum dia, em outro lugar, a afeta constantemente. "Rezo por ele todos os dias e tento usar alguns passos do AA, apesar de não ser alcoólatra, mas pedindo forças para mais um dia na minha vida."